#003 carta de amor ao trabalho que odiei.
você sabe o que são lêmingues? Ao final do texto você vai descobrir.
hoje eu me demiti. Não o seu hoje, mas o meu hoje - há dias atrás, ou talvez já façam semanas do dia em que eu me demiti e começei a escrever esse texto. Na ordem cronológica das coisas essa já é a quarta newsletter desde que tive a ideia de começar a produzir. Quando decidi pedir demissão. É engraçado como essa energia criativa voltou a aparecer na minha vida depois que entrei de férias, quando me afastei do trabalho. Como eu voltei a ter gosto pelas coisas que me interesso, a ter tempo para cultura e lazer dentro dos meus dias. Como essas coisas são fundamentais pra uma qualidade de vida e um bem estar. Quem iria imaginar que trabalho não traz satisfação plena…
Eu já tava deitado mas minha cabeça não parava de martelar ideias. Então, por isso você esta aqui, hoje, lendo esse texto. Na semana em que escolhi deixar o cargo, eu saí da terapia e fui a academia andando - particularmente, um milagre; mas me questionei o seguinte: “se eu bati perna pela Avenida Paulista por 8km, porque não vou fazer isso na minha cidade, que é um ovo?!” e me comprometi a me locomover mais a pé. Até agora tem funcionado.
MAS enfim, lá estava eu. Andando. Se você faz terapia, sabe que existem dois tipos de humor ao sair da sessão: ou você ta de bem com a vida e se sente muito leve, ou você morreu por dentro no intervalo de 50 minutos. Eu tava no primeiro estado. Então, eu ia do ponto A ao ponto B, na avenida principal da cidade, e ia na contramão, com meus fones de ouvido. Uma ideia excelente, mas que peguei o hábito na época em que corria, assim consigo ver os carros vindo a minha frente, e evitar ser atropelado pelas costas.
Então, to saindo da terapia, me sentindo leve, decidido a me demitir, tinha acabado de publicar meu primeiro texto no Substack e reparo nas feições das pessoas seguindo a mão - sei la, o sentido certo da via. Se existe contra mão, existe mão. Vejo rostos exaustos, é dezembro, são mais de 18h, o fluxo de carros é enorme, as pessoas estão presas no trânsito, voltando para suas casas. É uma quarta-feira. Não vejo uma fisionomia minimamente contente, só apatia e cansaço. Percebo que eu era um desses rostos também. Começo a perceber que, essa era minha rotina. Acordar, ir pro trabalho, comer, me deslocar novamente para o trabalho, estudar, ir para a faculdade. Existindo num piloto automático. Quantas dessas pessoas não estão se sentindo assim, exatamente agora. Agora mesmo. Agora enquanto eu andava, mas também agora quando eu escrevi esse texto, e agora enquanto você lê.
Alguns dias depois, conversei com uma pessoa muito querida que tive o prazer de me aproximar - no trabalho. Ele me lembrou sobre um dia enquanto estudavamos juntos, e leu algo sobre os Lêmingues em um livro de ACT (terapia de aceitação e compromisso). Lêmingue é isso daqui ó:
lindo né? Parece um hamster. É tipo isso; um roedor do ártico. Foi ai que a gente aprendeu o que são lêmingues. Se você também não sabia, não se sinta sozinho. Se você sabia, fico um pouco curioso pra saber sua história. Descobrimos que quando essa espécie tem uma superpopulação, eles se deslocam em massa. Saem correndo por ai sem olhar para trás, e correm até cansar. O grande b.o. é que nessa trajetória, alguns morrem. Correndo sem rumo, eles caem de penhascos ou em rios e morrem.
se eu fosse mal caráter eu podia encerrar o texto aqui com uma frase de autoajuda, coisas tipo “arrume um propósito que assim você não ficará tão perdido” ou “com um objetivo é possível se tornar milionário”. Basta mudar seu mindset e tudo vai ficar bem, ou pegar uma frase aleatória do Primo Rico.
Mas eu não sou - e o buraco é mais embaixo. Eu acho que a gente vem seguindo nessa direção ai, de geral correr sem direçaõ. Da casa, pro trabalho, do trabalho pra casa, e repete; o trabalho como esse lugar adoecedor, exploratório. Se você joga a palavra “trabalho” no Google, não demora a achar notícias discutindo redução da jornada, indíces altíssimos de pedidos de demissão (virei estatística) e informações sobre síndrome de burnout. Será que ninguém gosta de trabalhar e só trabalha porque é preciso pra não morrer de fome?! Que absurdo…
Que lugar o trabalho ocupa na sua vida? Ou melhor, qual a parcela da sua vida que não ta sendo sugada pelo trabalho, se houver alguma… tudo que eu quero alcançar com esse texto, é propor uma reflexão mesmo. Criar espaços para discutir o adoecimento e formas de melhorar as condições de trabalho. Nos últimos anos empresas em diversos países vem testando uma jornada de trabalho reduzida além de estudos que indicam maior motivação e melhores resultados quando os trabalhadores não estão submetidos a uma carga horária excessiva. Também vou deixar aqui informações sobre o coletivo SAMECA:
eu tenho muito a agradecer a esse amigo. Eu adoro conversar, e em um ano onde eu me sentia constantemente exausto e sobrecarregado, me privando de relações sociais, correndo para casa assim que a aula acabava pra tentar ter algum descanso, afinal me sentia esgotado - ele possibilitou um respiro. Fico muito feliz que apesar de me demitir, fiz um ótimo amigo, não só um, mas dois. Se estiverem lendo isso, obrigado, vocês são incríveis.
bom, eu acho que é isso, desculpa a bad vibes do texto dessa semana, mas eu tenho certeza que não foi nada novo, talvez só estivesse meio dormente nesse mesmo piloto automático pra não entrar em um exaustivo e inútil esforço. Então, que bom que você parou durante alguns minutos pra ler essa publicação. Muito obrigado, se cuida e até a próxima semana. :)
indicações da semana
ah, e antes que eu me esqueça, pra estreiar esse quadro, a melhor coisa que eu consumi durante os ultimos dias foi um episódio do novo programa de Trevor Noah: “What Now?”. O apresentador sul-africano conversa com Janelle Monáe sobre a carreira da artista, sua recente indicação ao Grammy de álbum do ano, a importância e o papel que a arte atribuiu para a vida de ambos.
Janelle fala sobre a relação com o pai (que enfretou transtorno por uso de substâncias durante a epidemia do crack), sua trajetória na música, políticas públicas, religião, ativismo queer, e antirracismo. Além de tecnologia e inteligência artificial (lá em 2018 Monáe lançou seu álbum conceitual que se passa em um universo distópico, e no início de sua carreira se apresentava como um androide andrógeno).
O artista precisa presenciar a vida, para fazer arte.
<3
Muito orgulho do menininho que me chamava com uma voz rouca e poderosa e do homem que vejo agora nessas linhas. Parabéns!🥰